Perdi a batalha para o Covid-19, mas não perdi a guerra

Foto: Jacque Fernandes

Eu demorei quase três meses para sentar à frente do computador e escrever de forma menos dolorida sobre o processo de perder uma mãe. Pela primeira vez, um texto não pessoal e que alcança pessoas que não são os meus amigos próximos vai ser publicado. Não é uma decisão fácil, mas é necessário falar sobre aquilo que muita gente acha que já está superado. Não está.

Eu fui derrotada pelo coronavírus e quando entrei na batalha, não imaginava o quanto essa luta iria me custar. Custou a vida da minha mãe e quase a minha sanidade mental. Ela era uma pessoa pobre, moradora de favela, guerreira e exemplo de ser humano. Eu não a via por volta de 3 meses, pois queria poupá-la e, nesse meio tempo, preocupava-me em levar informação sobre a gravidade da doença para pessoas como ela. Se nós, os favelados, não nos cuidássemos, o governo pouco faria pelas nossas vidas.

Com a sua partida, as coisas pioraram. Eu via pessoas sem máscara percorrendo as ruas, bebendo, dançando e, inevitavelmente, pensava nas vidas que se foram. Logo, a decepção não só com a favela, mas com a população em geral ficou evidente: a empatia estava de férias para muitos. Eu não queria mais trabalhar com jornalismo comunitário, afinal, estava falando para alguns indivíduos que não se preocupavam próprias vidas, muito menos com as dos seus amigos e familiares. Eu, naquele momento, havia cansado. A tristeza chegou e aquilo que era meu maior propósito, agora não passava de uma decepção para mim.

Mas nada como o tempo: sentar para escrever não é uma tarefa fácil, ainda dói e eu tenho vontade de jogar tudo para o alto de vez em quando. Entretanto, lembrei de verdadeiros herois que estão na frente da batalha e que atualmente são mais fortes que eu. Conheço a Diene Carvalho que faz um trabalho primoroso chamado Maktub Experience RJ . O projeto oferece atendimentos psicológicos online durante o período da pandemia. Lembrei da galera do Voz das Comunidades que, de forma incansável, leva informações e assistência alimentar para os moradores de diversas favelas. Pensei na presidente da associação dos moradores do Boogie Woogie, local onde eu nasci e cresci; Adriana Soares tem um trabalho muitas vezes não reconhecido na comunidade, mas que é digno de aplausos.

Dito isto, estas pessoas não me fazem desistir, pois vejo quantos ainda precisam de apoio. Valorizem essas atitudes, vocês não tem ideia do quanto elas abrem mão pelas causas e para batalhar pelo que, muitas vezes, o poder público não faz.

Meus textos no Hordas estão de volta. Cuidem-se e cuidem dos seus.

Jacqueline Fernandes