A emergência de novas práticas fotográficas em tempos inéditos – com Alexandre Sequeira

por Danty Alves- Repórter convidado (Jornalismo/UFRJ)

É possível que o maior desafio para o mundo em contexto de pandemia seja se repensar socialmente diante do medo de um futuro incerto. Não importa se estão penduradas na parede ou nas palmas de nossas mãos, todas as telas que nos cercam informam a mesma tragédia com números mórbidos sendo atualizados diariamente. Mas se é a incerteza que nos assombra, o pior não é necessariamente uma promessa.

O futuro se constrói no presente. São as práticas realizadas hoje que formatarão o amanhã, e quando o presente se tornar um passado é estimado que tenhamos a consciência que foram construídos caminhos promissores. É neste sentido que a universidade pública articula sua função social com o objetivo de impactar a sociedade positivamente.

A extensão universitária é o pilar vital para a manutenção de uma instituição de ensino, caso ela não queira se isolar do mundo. O Ecofoto é um projeto de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que nasce com a proposta de valorizar a fotografia como bem cultural. Inicialmente, em 2008, foi elaborado como um concurso nacional com novas temáticas a cada edição.

A 8ª edição que ocorre esse ano apresenta um novo formato em comemoração aos cem anos da UFRJ, atualmente sob coordenação da produtora cultural Camila Medina. Por conta das necessidades atuais evocadas com as limitações da pandemia, o projeto precisou se reformular para continuar existindo.

Em 2020, o Ecofoto propõe ser um espaço de troca de saberes que colocará pessoas criativas, artistas, pesquisadoras e entusiastas da fotografia em intercâmbio para estimular novas técnicas e formas de pensar a prática fotográfica. A partir da experiência de aprendizado e troca intensa de conhecimento dentro do ciclo de criação, participantes selecionados por sua diversa bagagem cultural assumem o desafio de produzir uma série inédita de retratos da pandemia. O resultado dessa rede colaborativa e coletiva forjada pelo projeto estará disponível ao público em exposição virtual que inaugura no dia 17 de novembro.

A entrevista é entendida pelo sociólogo Edgar Morin como uma comunicação pessoal com o objetivo de informação. Neste sentido, uma das ações do Ecofoto é a realização de entrevistas com as pessoas que ministrarão as oficinas online para fornecer elementos que possam contribuir na compreensão da pluralidade de ideias que essa edição atual objetiva fornecer.

Os desafios para a realização de um projeto tão complexo em tempos inéditos perpassam por todas as etapas de produção, e não poderia ser diferente no processo de elaboração de uma entrevista remota. Apesar dos imprevistos por conta da típica instabilidade de rede, o diálogo com Alexandre Sequeira ocorreu de forma fluida, fornecendo informações capazes de criar fortes expectativas por sua aula.

No decorrer da entrevista é possível observar sua generosidade que se replica em seu olhar, a obra do artista visual e fotógrafo é resultado da troca com outras pessoas. Ele se projeta como um andarilho que expressa suas descobertas e transmutações com o auxílio da fotografia. A experiência de vida acumulada perpassa a obra do artista, passível de observação em suas séries fotográficas. A oportunidade de conhecer sua biografia traz o entendimento de sua arte, além de nos ensinar novos sentidos de mundo.

O ensino público na formação do artista

Em 1980, Alexandre começou sua trajetória acadêmica no bacharelado em Arquitetura pela Universidade Federal do Pará (UFPa) e atualmente é professor da Faculdade de Artes da mesma instituição. Sua recente titulação como Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) marca o estágio de um ciclo, ainda que não seja contínuo, de quatro décadas inserido no contexto acadêmico.

Entre a graduação e o doutorado que finalizou este ano, se especializou em Semiótica e Artes Visuais em 2005 pela UFPa e se tornou mestre em Artes pela UFMG em 2010. Durante esse percurso, Alexandre conseguiu observar as transformações ocorridas na Academia em relação ao ensino de artes. Foi na virada da década de 1990 para os anos 2000 que a oferta de cursos de bacharelado em artes se intensificou e as universidades passaram a formar não apenas os educadores em arte, mas também os artistas.

O ensino público é uma ambientação na trajetória de Alexandre, do maternal ao doutorado frequentou instituições de ensino públicas. “Eu sempre tive uma preocupação muito grande de retornar o conhecimento a todas as pessoas que contribuíram de alguma maneira em minha formação”, pontuou enfaticamente. A sua atuação profissional é um retrato dessa preocupação, por 14 anos de sua vida foi diretor de oficinas na Fundação Curro Velho, formulando cursos a serem ofertados aos jovens de escolas públicas.

É nessa experiência que ele passa a acreditar que todos no mundo estão dotados de conhecimento e uma instituição é muito mais do que um canal de transmissão de informações, mas um espaço de troca e construção mútua de saber. “Esse mundo globalizado faz com que ninguém esteja no mundo de mãos vazias”, defende o artista.

Alexandre Sequeira Ecofoto Preto
A obra artística de Alexandre

Sua forma de compreender o mundo está presente em sua dissertação de mestrado “Entre Lapinha da Serra e o Mata Capim” que tem como produto final uma série fotográfica. A obra é resultado de uma troca entre Alexandre, Rafael e Seu Juquinha, avô de Rafael. Nessa interação, o jovem Rafael com seus 13 anos foi um agente fundamental para a construção do trabalho, realizado entre janeiro de 2009 e junho de 2010 no interior de Minas Gerais.

“Eu demorei muito para perceber que o Rafael falava verdade sob a perspectiva de um garoto de 13 anos”, a partir desse entendimento Alexandre compreendeu como as colocações do menino confundiam o simbólico com o plano real, e isso tinha seu valor. No início, ele resistiu a atribuir valor simbólico às observações do menino, talvez influenciado por uma certa arrogância oriunda dos espaços formativos que causam um comportamento negligente às percepções que destoam de nossa realidade.

Essas observações permitiram que o artista enfatizasse a importância da interação com crianças porque elas notam o mundo isentas de preconceitos que ainda não foram incorporados. “O adulto se coloca numa situação, quase, de constrangimento se ele não entende claramente o que é. Ele se retrai”, acredita Alexandre.

A troca de valores decorrente da elaboração do trabalho foi um aprendizado mútuo para todas as partes e colocou o jovem Rafael no lugar de artista. Na abertura da exposição individual no Museu de Arte do Rio, Rafael esteve presente e encontrou, expostas, obras que ele ajudou a criar. O menino não só abriu a exposição ao lado de Alexandre, como deu entrevistas e foi reconhecido por seu trabalho. “A armadilha para discos voadores estava montada dentro do museu e o mapa que Rafael desenhou para mim estava na parede com um tamanho de quatro metros”, relembra o artista.

 

A fotografia como meio

“As vezes eu nem uso muito o termo fotografia, uso o termo imagem. Considerando o conceito de Deleuze, a imagem do pensamento que nos chega por um texto, por desenho ou pela oralidade. Nesse sentido, considero a fotografia produzida a partir de encontros como meio”, reflete o artista.

A expressão artística de Alexandre permite pensar acerca de seu papel como etnógrafo. Ele se insere no espaço como um observador participante, se tornando parte do contexto e criando coletivamente. A câmera é sua aliada nesse processo de captação do mundo que está sendo conhecido e reconhecido. A fotografia em seu processo criativo é um meio, e o que lhe interessa é o que está sendo captado para além das imagens produzidas, como as relações sociais que emergem da experiência de produção dessas imagens.

O mercado de arte convoca Alexandre muito mais para falar sobre seus processos do que expor suas obras, algumas pessoas têm dificuldade de compreendê-lo como artista ou fotógrafo, e o colocam no lugar de educador. Para ele essa inadequação é interessante porque ele não gosta quando é formatado para ser classificado, e consequentemente limitado.

Não estamos protegidos do esquecimento, seja no digital ou no físico, o tempo é a única certeza. Tudo que começa, termina. A relevância dos trabalhos de Alexandre se encontra no processo e nas experiências compartilhadas que chegam a quem escreve sobre elas, a quem lê sobre elas e a quem as revive, no caso, o próprio artista.

Alexandre Sequeira Ecofoto Cinza
A série fotográfica Nazaré de Mocajuba e seus aspectos sociais

Seja como artista visual, fotógrafo ou educador, seu trabalho intitulado Nazaré do Mocajuba exerce um efeito no espaço, provoca uma reflexão sobre o tempo e nos conecta com memórias que não vivemos. Em um mundo digitalizado, onde as imagens intensificaram sua efemeridade, o registro da memória é uma atividade necessária. As imagens de pessoas em tecidos desgastados, soa como uma provocação ao tempo em que tudo se desfaz intensamente no universo digital.

O trabalho em Nazaré de Mocajuba ocorreu em 2005 quando a cidade estava passando por um processo de transformação por conta da chegada da luz elétrica. Junto com a luz, chega a televisão que provocou uma série de mudanças comportamentais na região. Alexandre observou, assustado, a forma como essas mudanças foram drásticas e avassaladoras, provocando nos jovens um anseio por um estilo de vida que negava as expectativas de seus pais.

Diante desse cenário de intensa reformulação social, Alexandre observa os tecidos e objetos pessoais preservando uma relação muito estreita com seus donos. O efeito do desgaste nesses itens foi entendida pelo artista como uma base temporal da série fotográfica. O tempo se comunica na matéria. A precisão dessa sensibilidade foi confirmada com o comportamento que Alexandre observou de uma visitante quando a exposição da série esteve na Bélgica. Ela se aproximou, discretamente da obra, a tocando e sentindo o tecido com o rosto como quem o acaricia.

Ainda que distante espacialmente do contexto em que a obra foi realizada, é possível experimentar a sensação da memória em forma de arte. É possível sentir a memória. Alexandre fala sobre o tempo da experiência, não o tempo do relógio. O tempo vivido, a qualidade da experiência. E essa experiência é possível viver no Pará, na Bélgica ou na China.

A arte de Alexandre Sequeira nos sensibiliza ainda mais sobre as consequências da pandemia na sociedade. No momento em que o ato de transitar pelo mundo está limitado e a cada dia o virtual se torna essencial, questionamentos sobre a noção espacial e temporal se fazem presentes na cabeça do artista. É a partir dessas reformulações sobre as possibilidades do real e com base nas experiências acumuladas que o artista ministrará sua aula online e contribuirá de forma ímpar para o aprendizado de quem participar.

Projeto de extensão universitária “Ecofoto – Retratos da Pandemia” – 8ª edição

Setor de Extensão – Escola de Comunicação

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Coordenação: Camila Damico Medina

Entrevista e redação: Danty Alves

Workshops: 26 a 30 de outubro de 2020

Mentoria: 26 de outubro a 09 de novembro de 2020

Exposição virtual: de 17 de novembro de 2020 a 17 de fevereiro de 2021

Instagram: @ecofotoufrj

Mais informações e parcerias: coordenacaodeextensao@gmail.com